quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Entrevista com Wilson Aragão para a revista "Caderno da Militância" do MST Bahia






























Wilson Aragão:






Poeta-cantador, "virado no diabo e retado com você"

por: Paulo A. Magalhães,
Paulo A. Magalhães Fº e
Vagner Carneiro


Artista idealista, pedagogo e engajado na luta do povo, o sem terra Wilson Aragão é natural de Piritiba, mas morou muito tempo na roça, em Mira Serra e Morro do Chapéu. É filho de um pedreiro negro com uma professora primária, descendente de portugueses, e neto de uma cabocla da mata, cuja avó foi pega no laço pra casar com seu avô, como ele diz. Lúdico e imprevisível, vai conciliar, por um período de sua vida, a arte com a burocracia, ao trabalhar no setor de recursos humanos de grandes empresas em São Paulo e no Pólo Petroquímico de Camaçari, sem permanecer por mais de dois anos em cada. Militou no movimento sindical ao lado do governador do Estado, Jacques Wagner, e fez política partidária junto com Capinam, Gonzaguinha, Fábio Paes e Jorge Portugal. Gravou três CDs, e suas músicas foram gravadas por artistas de várias gerações. Atualmente sobrevive apenas de música e é integrante do Assentamento Eldorado (“Pitinga”), do MST, em Santo Amaro, onde é muito querido pela comunidade. A conversa que se segue, sintetizada aqui nos trechos mais significativos, ocorreu na Secretaria do MST, em Salvador, que traçou um rico painel da sua trajetória de vida e musical. Das mágoas com setores de esquerda aos sonhos de contribuir com a luta do MST, além de suas composições e das pinturas ao lado da sua companheira Miriam Aragão, que promove aulas de artesanato no assentamento em que reside e comercializa produtos.
Para iniciar fale de sua experiência no campo. Você plantou num sítio no sertão de Piritiba, pegando na enxada como pega um catingueiro, como conta na música “Capim Guiné”?

(Risos!...) Trabalhei muito com meu pai, na foice. Ele era um bom pedreiro, construiu 10 casinhas simples de adobe, depois vendeu e comprou um sítio no sertão de Piritiba. Mais tarde compraria o outro lado da estrada. Enquanto capinava, abrindo as covas, eu ia jogando as sementes e tapando as 70 ou 80 tarefas de feijão, milho, banana, aipim, mandioca, caju, jaca, entre outras culturas. Catei muita mamona e puxei carro de boi para pegar madeira da floresta. Lembro que na roça ele tinha um rádio de 6 faixas, e quando agente estava trabalhando ele aumentava o volume pra gente escutar a música, numa distância de 50 a 100 metros. Gostava de ouvir Luiz Gonzaga, Nelson Gonçalves, Carlos Nobre e Jackson do Pandeiro. E assim passei a infância e a adolescência, recebendo todas essas influências.

E lá pras bandas de Piritiba, Morro do Chapéu e Mira Serra, havia virtuosos violeiros?

Sempre surgia novidade na feira, vindo da Paraíba, foragidos da seca, procurando emprego nas roças e traziam a cultura de lá. Eu achava muito bonito o pessoal batendo pandeiro e dizendo versos. Lá em Mira Serra tinha até um sujeito que fazia um som maravilhoso, uma mistura de cavaquinho com viola, extraído de um instrumento inventado por ele, num formato de lata de óleo, com cordas de arame de estender roupa.

Aprendeu a tocar instrumentos, o violão, por exemplo?

Eu ficava cutucando, mas vim aprender a tocar um pouquinho de violão já depois de casado. Minha vida toda foi no evangelho, minha família sempre foi prebisteriana, era igreja quarta, sexta, domingo. Meu pai dizia que violão era coisa de vagabundo, e não deixava aproximar do violão. Eu disse que quando eu fosse dono do meu nariz eu compraria um violão. E realmente quando meu pai separou de minha mãe e eu fui pra São Paulo trabalhar eu comprei um violão.

Era uma época de euforia, da ideologia “Brasil, potência do mundo”; da conquista do tricampeonato mundial de futebol; da proliferação das torturas nos porões da ditadura, e da pornochanchada nas telas do cinema brasileiro. Os militares estavam no auge da sua popularidade por conta do chamado “Milagre Econômico”: “ninguém segura esse país“, “ame ou deixe-o”...

Eu morava em Piritiba já pleiteando algum emprego, mas toda a minha família era de oposição. Os políticos de direita da cidade eram da ARENA e não deixaram que eu trabalhasse na prefeitura, nem no Banco da Bahia. Sem opção de trabalho formal só me restou ganhar algum dinheiro como artista, fazendo desenhos e pintura. A prefeitura era obrigada a me engolir porque eu produzia todas suas faixas. Desenhava ainda escudos do colégio, etc. Na 1º Exposição de Arte da cidade conquistei 3 prêmios, inclusive o 1º lugar de desenho, imaginação e pintura. Cantava ainda no coral e nos muitos grupos que formávamos, como o grupo musical “Os Helps”, que tinha muita influencia dos Beatles, e depois virou “Os Horríveis” (risos...).

Você percebeu que a cidade era pequena para suas inquietações...

No dia em que fui pra São Paulo, minha mãe correu atrás do ônibus, tropeçou e caiu no meio da rua. Na metrópole meu tio me deu abrigo por um ano, aí dividimos um quartinho, eu e um amigo. Mais tarde fui promovido na fábrica Companhia Brasileira de Alumínio na cidade de Mairink, onde eu também morava e pra estudar pedagogia na Universidade de Sorocaba eu tinha que viajar diariamente 60 a 70 km de distância. Passei a admirar um professor comunista chamado Álvaro Vanucchi, que foi preso na ditadura militar, expulso do Brasil e depois voltou. O sobrinho dele era estudante de medicina e foi morto numa praça em São Paulo, em plena luz do dia. Eu fui assimilando estas histórias e tomando conhecimento do que era a ditadura militar. Quando bateu a saudade eu vim me embora, em 1978, com greves estourando em tudo que é canto. Como eu era especialista em Recursos Humanos, as empresas se interessaram por mim. Comecei a trabalhar no Pólo Petroquímico ganhando 21 salários mínimos, um dinheirão pra época. Montava planos de cargos e salários, convênios e assistência médica. Quando me chamavam para tocar em algum lugar, eu dispensava cachê. Ah, se eu soubesse que esse tempo ia passar...

Parece que a sua composição de maior sucesso, “Capim Guiné”, foi feita neste período. Fale um pouco sobre a música.

Em 1979, nas horas vagas do trabalho, compus “Capim Guiné”, que é um protesto contra a grilagem de terras na ditadura militar. Ocorreu que um fazendeiro de Tapiramutá, cheio de pistoleiros, invadiu de madrugada a propriedade de meu pai, que era evangélico e não tinha armas. No outro dia meu pai foi à delegacia prestar queixa e o delegado não gostou. Seguiu então para Salvador a fim de conversar com o governador. Houve um telegrama do Gabinete do Governador perguntando quem era o meu pai. Quando souberam que se tratava de um homem de oposição, do MDB, disseram: “pode invadir as terras”. O fazendeiro cortava o arame e botava o gado para comer a nossa plantação. Nós emendávamos e ele novamente cortava. Meu pai foi a Brasília conversar com o presidente Geisel, e este também enviou uma mensagem. Quando foi informado que a família era de oposição, disse que não podia fazer nada.

Ouvindo hoje “Capim Guiné” tem-se a impressão que há na letra algumas metáforas para ludibriar a censura

Há sim, mas nessa época era proibido falar palavrão e a música não passou na censura. Veio uma carta pra todas emissoras de rádio proibindo tocar “Capim Guiné”. É bom esclarecer que a cara de veado à qual me referi era o Presidente Geisel, pois qualquer barulhinho para o veado, ele para, escuta atentamente, mas não toma atitude. Já o Caxinguelê é um esquilo brasileiro. Quanto “não planto capim-guiné pra boi abanar rabo” é porque eu não iria mais fazer roça pra bandido vim e tomar, desfrutando de tudo..

Esclareça a dúvida que paira entre os ouvintes de MPB: “Capim Guiné” é apenas sua ou tem parceria com Raul Seixas? Como foi mesmo que você conheceu Raul ?

Em 1982, em Piritiba, eu já havia conquistado um festival de música com “Capim Guiné”, antes de conhecer Raul. Na época Elba Ramalho tava surgindo com muito de sucesso e eu ficava sentado na porta dos hotéis esperando ela acordar. Ai eu perguntava: “Gostou de Capim Guiné?”, ela respondia: “Ouvi a fita e gostei de todas suas musicas, mas me dá um tempo, porque meu disco já está cheio”. Continuei colado com Elba. Um dia os músicos me falaram: “Elba ensaiou Capim Guiné, e está de arrombar, mas o diretor de produção pediu pra tirar e gravar uma música do Gonzaguinha, “Casca do Ovo”, porque ninguém sabe quem é esse Aragão”. Ai fiquei chateado e tive um “pega pra capar” com ela. A gente era amigo e ficamos diferentes até hoje. Um conterrâneo de Piritiba, chamado Beto, me convenceu oferecer a música a Raul Seixas e mandou-a pra São Paulo. Um dia ligamos para ele do orelhão e ele falou que havia gostado, mas queria propor pequenas alterações. Ao invés, por exemplo, da frase “comprei um sitio plantei jabuticaba, dois pés de guabiraba” etc. elaborado por mim, ele propôs “plantei um sitio no sertão de piritiba...”, homenageando a minha cidade e misturou guabiraba com as pindaíbas, que eram as cachaças que ele bebia, botou guataíba, que não existe, e gravou. No lançamento do disco, em 1983, no Esporte Clube Periperi, a nossa amizade foi se estreitando. Ficamos num hotel, na Barra, o dia todo na beira da piscina “comendo água”. Gostei muito dele, suas palavras tinham sentimento, um coração bom, um jeito meio ameninado e meio maluco. Passei dois dias na casa dele em são Paulo, enquanto ele cheirava muito éter e lança-perfume, eu tomava minhas cervejas. Depois ele veio pra minha casa em Salvador e fez uma verdadeira revolução no Engenho Velho de Brotas, pois saiu bebendo cachaça em tudo que era boteco, e todo mundo querendo conhecê-lo. Também demos um passeio pelo sul da Bahia, fomos em Ibirataia, Barra do Rocha e Ipiaú.


Sua musica mais conhecida é “Capim Guiné”, mas qual é a que você mais gosta?

Sou apaixonado por “Sertões e Sertões”, do primeiro disco. Fiz quando eu tava sofrendo porque tiraram o trem de ferro, a Leste Brasileira, de Piritiba: “Ó mira, mira bem para o resto da estrada de ferro. Quantos braços cravados, quantos dormentes para ouvir o trem na curva apitar, apitou pra nunca mais”. Eu estava em São Paulo quando minha mãe me escreveu uma carta. Cheguei em casa e chorei.

E as feridas da vida?

Eu tenho uma mágoa danada. A gente que é de esquerda sempre foi boicotado. Quando a esquerda conquistou o poder não abriu espaço para a nossa arte. As prefeituras do PT aqui da Bahia quase nenhuma me contrata. Só querem Calypso e Calcinha Preta, que deseduca a população. É a indústria da anti-cultura. Esse povo nunca foi forró. A cultura brasileira sempre foi voltada para os mesmos, se concentrando em torno dos poderosos. A Rádio Educadora aí tem dias que tocam 10 músicas do Caetano, 8 do Djavan, e nenhuma dos outros. Porque não divide o espaço? Convidam a gente para participar de reunião, de discussão, mas na hora de contratar e pagar o cachê, continuam os mesmos. A gente tem que valorizar aquela coisa de raiz, Bule-bule, repentistas, samba de roda... Na região de Cachoeira e Santo Amaro tem grandes sambistas. No nosso assentamento Eldorado tem Luizinho, Delis e Rebeca, uma menininha de 4 anos. As emissoras de radio massacram os ouvidos, pegam qualquer besteira, pagam jabá pra tocar 50 vezes por dia. e sonegam direitos autorais.Tem algumas que nem pagam porque alegam que a rádio dá prejuízo. Se dá prejuízo, porque não passa pra gente do MST?. Cantei muito, sem cobrar cachê, pro Sindicato dos Bancários, da Construção Civil, dos Metalúrgicos e Eletricitários. Hoje estão fortalecidos e não lembram da gente. Eu colocava minha musica a serviço das lutas sindicais e hoje esquecem que a gente sobrevive dos cachês.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

PELOS SERTÕES "COLETÂNEA"



Nasceu da urgência de um CD para uma temporada de apresentaçôes de voz e violão em cidades do interior baiano. Pediram-me que incluísse mais canções e menos forrós; a aceitação foi otima. Nesta edição incluímos "Mosaicos" como última faixa, a qual tem um participação especial de Tonton Flores. Poesia para todo mundo! um abraço.

Para adquiri esta coletânea e shows entre em contato pelo telefone (91) 32639089 COM O SR. RUI